João-Pequenino tinha-se aninhado no feno, onde arranjára uma boa caminha em que contava dormir até manhan, indo em seguida para casa dos paes que a essa hora deviam estar em sobresaltos. Não pararam porém, aqui as aventuras d'este ratão; havia de passar ainda por bem maus boccados. A creada ergueu-se ao luzir do buraco para dar ração ao gado. A primeira cousa que fez foi ir ao palheiro buscar forragem, d'onde tomou uma braçada de feno com o infeliz João-Pequenino lá mettido muito ferrado no somno. E tão bem dormia que não deu por cousa alguma e quando despertou viu-se na bocca de uma vacca, que o enguliu com um boccado de feno. A primeira impressão que sentiu foi a de se julgar caido num moinho de pisoeiro; mas depressa comprehendeu onde é que realmente estava.{84} Evitando o metter-se por entre os dentes, deixou-se escorregar pela garganta até ao estomago. O compartimento em que se encontrou parecia-lhe estreito, sem janella, e onde não havia sol, nem luz, nem sequer candeia! A casa em que morava desagradava-lhe bastante, e o que mais complicava a sua critica situação, era a quantidade de feno que lá se armazenava, estreitando mais ainda o pouco espaço em que se continha. Por fim, não podendo mais suster-se do terror que d'elle se apossára, João-Pequenino gritou o mais que poude:
—Basta de feno, basta de feno que eu não posso mais... abafo!
A moça do parocho, que n'esse momento estava precisamente a mungir a vacca, ao ouvir a voz sem que visse quem falava, mas que reconhecia pela que a tinha acordado durante a noite, assustou-se tanto que saltou do banco em que estava{85}
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{87} sentada, entornando o leite. Foi de caminho, a toda a pressa chamar o parocho para lhe dizer:
—Senhor cura, a vacca fala!
—Tu ensandeceste, rapariga?—tornou o padre, emquanto que despreoccupadamente se dirigia para o estabulo, para se certificar do que ouvira.
Não tinha ainda o parocho franqueado o portal quando João-Pequenino gritou de novo:
—Basta de feno... que eu atabafo!
O terror apoderou-se então do padre, que suppondo a vacca enfeitiçada, ou que tinha o diabo mettido no corpo, disse que era preciso dar cabo d'ella. Abateram-n'a, e o estomago, onde o pobre João-Pequenino se via prisioneiro, foi lançado para o estrume.