—São problemas com certa difficuldade de solução, mas ouve com attenção e não dês palavra; escuta com cuidado as respostas que hão de coincidir com o arranque dos tres cabellos de ouro.
Ao anoitecer, voltou o diabo. Ainda bem não tinha posto o seu pé-de-cabra dentro do inferno, e já notava um certo cheiro que lhe era estranho.
—Cheira-me a carne humana—dizia elle fungando.—Alguma cousa ha aqui que não é costume!{107}
E poz-se a esquadrinhar por todos os cantos, mas nada encontrou. A mãe, então, ralhando-lhe, disse:
—Ainda agora arrumei a casa e andas tu a pôr tudo em polvorosa; não tens outro cheiro que não seja o de carne humana! Anda d'ahi, senta-te e come, que o teu mal é fome!
Depois de ter comido e bebido bem, sentiu-se cançado, collocou a cabeça no regaço da mãe, a quem pediu para o embalar. Não tardou a adormecer, roncando que nem um porco e assobiando como uma locomotiva. A velha aproveitou esse ensejo para lhe arrancar um cabello d'ouro.
—Ai!—fez o diabo—que faz mãe?
—Ora, deixa-me cá: tive um sonho terrivel, e por isso é que te arrepellei.
—Com que sonhou então?
—Sonhei que uma fonte que antigamente{108} dava vinho, agora nem agua deita. Porque será?
—Se soubesse!—respondeu o demo.—Debaixo d'uma pedra vive um sapo; assim que o matem, a fonte continuará a deitar vinho.
A velha tornou a embalál-o e d'ahi a pouco Satan resonava e assobiava em alto ruido, e com tal força que até as vidraças estremeciam. A velha, vendo-o assim, arrancou-lhe o segundo cabello.
—Ui!—gritou sobresaltado o rei dos infernos—que pezadello foi esse mãe?
—Não te apoquentes, filho, foi um outro sonho que tive.
—E de que constava elle?—interrogou Belzebuth.
—De uma arvore que antes produzia maçãs d'ouro e que actualmente está despida de folhas. Qual a rasão do caso?