Feito isto, deixaram-n'o dormir socegadamente no banco até o dia seguinte; quando acordou, restituiram-lhe a carta e indicaram-lhe a estrada real.
Entretanto, a rainha apenas leu a carta, que passára como escripta pelo rei, ordenou grandes festas para o casamento da filha com o rapaz nascido n'um folle. Como este era perfeito, amoravel e dotado de bom coração, a princeza vivia feliz e satisfeita.
Passado tempo, o soberano regressou ao palacio, e, com grande espanto seu, viu que a predicção se realizára do rapaz nascido n'um folle, casar com a princeza.
—Como foi isto arranjado?—perguntou á rainha.—Havia dado outra ordem na minha carta!{102}
A rainha apressou-se a mostrar-lhe a carta afim de se certificar do que havia escripto. O rei leu-a, e viu que fôra trocada. Perguntou ao rapaz o que havia feito da carta que lhe confiára, e como é que havia trazido outra.
—Não sei!—respondeu o rapaz. Só se me foi roubada na noite que passei na matta; aproveitando-se do meu somno.
O rei tornou irritado:
—Não me serve essa desculpa, e tanto que minha filha não te pertence, emquanto me não trouxeres do inferno tres cabellos d'ouro da cabeça do diabo; satisfeita esta condição, restituo-te a princeza.
O soberano, falando assim, cuidava que ficaria livre d'elle de uma vez para sempre. Como resposta, o rapaz nascido n'um folle disse ao rei:
—De boa vontade acceito a sua proposta de trazer os tres cabellos{103} d'ouro, tanto mais que não me arreceio do diabo!
Dictas que foram estas palavras, despediu-se e pôz-se a caminho.
Esta estrada ia ter a uma cidade, ás portas da qual estava uma sentinella que lhe perguntou em que elle poderia ser-lhe util e o que é que sabia.
—Sei tudo—respondeu o rapaz nascido n'um folle.
—N'esse caso, pódes-nos indicar com facilidade a razão porque a fonte do mercado d'onde corria vinho, hoje não deita nem uma gotta d'agua?