Ao fim d’um curto kilometro, chegámos a um immenso terreiro, com o chão duro e caiado de branco como o das nossas moradas, e cercado por uma estacada baixa. Em redor, fóra da estacada, corria uma fileira de cubatas, que (segundo nos informou Infandós) pertenciam ás mulheres do rei: e ao fundo, fronteira á porta por onde entraramos, estendia-se uma construcção, uma cubata enorme, com varas e plumas espetadas no tecto de colmo, que era o palacio real. No recinto não crescia uma arvore: e todo elle estava n’esse dia cheio de regimentos em fórma, perfilados, immoveis, verdadeiramente magnificos, com os seus altos pennachos, os escudos brancos, as lanças a rebrilhar.
Em frente á cubata real ficava um espaço vasio, com uns poucos de escabellos de madeira. A convite do bom Infandós occupámos tres d’esses assentos privilegiados, tendo Umbopa por traz, de pé: e assim ficámos á espera, no meio d’um silencio absoluto, sentindo cravados sobre nós oito mil pares d’olhos sofregos. Finalmente a porta da cubata rangeu--e surgiu d’ella uma figura gigantesca, com um esplendido manto de pelles de tigre lançado sobre o hombro, e uma azagaia na mão. Atraz d’elle vinha Scragga e uma outra creatura estranha, equivoca, que nos pareceu uma macaca--uma macaca velhissima e friorenta, toda embrulhada em pelles. A figura gigantesca abateu-se pesadamente sobre uma das tripeças de pau. Scragga permaneceu de pé, por traz, apoiado á lança. A velha macaca arrastou-se para a sombra que lançava a cubata real, e alli se acocorou lentamente.
O mesmo silencio continuava no emtanto oppressivo, afflictivo.
Então a figura gigantesca arrojou o manto que a envolvia, e ergueu-se, offerecendo ás vistas a sua real pessoa, verdadeiramente terrifica! Nunca em minha longa vida encarei um homem mais repulsivo. E ainda ás vezes revejo, ante mim, aquella face horrivel com os beiços muito grossos ressudando sensualidade, as ventas enormes e chatas de fera, e o olho unico (porque o outro era apenas um buraco negro) atrozmente brilhante, d’um brilho frio e cruel. Uma cota de malha reluzente cobria-lhe o corpo formidavel. Da cinta pendia-lhe o saião d’uniforme, feito de rabos brancos de boi. Ao pescoço trazia uma gargalheira d’ouro: e da testa, onde luzia um enorme diamante bruto, subia-lhe, ondeando no ar, um tufo esplendido de plumas d’abestruz.
O silencio ainda pesou, mais profundo, diante d’aquella presença assustadora! Mas de repente o monstro (que logo comprehendemos ser Tuala, o rei) levantou a lança no ar. Oito mil lanças faiscaram ao sol. E de oito mil peitos rompeu, atroando o céo, a grande acclamação real:--Krum! Krum! Krum!
Depois, no silencio que recahira, vibrou uma voz, agudissima, estridula, horripilante, e que parecia vir da macaca agachada á sombra:
--Treme e adora, oh povo! É o rei!
E oito mil peitos de novo atroaram o céo, bradando:
--É o rei! É o rei! Treme e adora, oh povo!
E tudo de novo emmudeceu. Mas quasi immediatamente, ao nosso lado, houve um ruido de ferro batendo sobre pedra. Era um soldado que deixára cahir o escudo.
Tuala dardejou logo o olho cruel para o sitio onde o som retinira: