Portugueses do sol nascente
No Japão do século 16, a presença lusitana deixou marcas profundas
No auge de seu império, Portugal teve colônias na costa da África, em ilhas do Atlântico, no Oriente Médio, na Índia, na China, no Sudeste Asiático e no Brasil. Mas um outro país também foi ocupado: o Japão. Ainda que essa história seja pouco conhecida, a presença portuguesa na terra do sol nascente deixou marcas permanentes na cultura local.
Segundo o tratado Teppo-ki ("Crônica da espingarda"), de 1606, os lusos chegaram ao Japão em 1543. Não por acaso, esse registro está contido em uma obra histórica sobre a introdução da arma de fogo no país. A colonização europeia foi apoiada em armamentos, no comércio e na divulgação do cristianismo.
A princípio, cada navio ocidental chegava carregado com pólvora, seda e porcelana, trazidos da China, e especiarias da Índia. Rapidamente, o objetivo comercial somou-se à intenção de propagar a fé cristã. "O binômio missionário-comerciante é constante na história da presença portuguesa no Japão", afirma Madalena Ribeiro, pesquisadora da Universidade Nova de Lisboa.
Em 1582, já havia 150 mil cristãos no Japão e 200 igrejas, além de 20 padres. No auge, o número chegou a 200 mil, distribuídos principalmente no sul do país, em Kagoshima e Nagasaki. Mas a intromissão estrangeira em um país em fase de unificação incomodou as autoridades locais. A partir de 1587, os cristãos começaram a ser reprimidos. Os que não recuaram se tornaram kakure kirishitan, ou "cristãos ocultos". Com o tempo, a falta de contato com sacerdotes católicos fez com que alguns rituais fossem adaptados. Nas missas, a hóstia e o vinho passaram a ser substituídos por sashimi, arroz e saquê. Em 1859, quando chegaram ao Japão, missionários franceses descobriram que cerca de 60 mil japoneses praticavam o cristianismo na clandestinidade. As comunidades kirishitan existem até hoje. Muitas ainda têm orações como pai-nosso e ave-maria, recitadas (sem serem compreendidas) em uma mistura de japonês, latim e português do século 16.
Além da religião, a influência portuguesa marcou a medicina, as ciências náuticas e a astronomia. Os arquitetos japoneses aprenderam técnicas para fortificação de castelos. Outros campos do pensamento ocidental também influenciaram os orientais. "A chegada dos portugueses permitiu uma alteração na maneira de pensar dos japoneses, por influência de ideias como o racionalismo e o liberalismo", diz Ikunori Sumida, diretor do Departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Universidade de Estudos Estrangeiros de Kioto. "Foi uma mudança invisível, ao contrário da introdução das espingardas e da religião."