"A julgar pelas recentes iniciativas, parece que as feiras desejam sobreviver por mais cem anos inteironas", diz Heliana Vargas, professora da FAU-USP e especialista no tema.
Hoje, São Paulo tem 880 feiras oficiais, com mais de 12 mil feirantes.
Uma novidade renova seu fôlego: a admissão de 63 feirantes, após chamamento público com 264 inscritos.
Foi preciso armar um barraco para legalizarem o tradicional comércio a céu aberto, que enfim funcionaria nos conformes com a prefeitura.
Em 1913, São Paulo contava com uma consagrada porém irregular feira livre, no largo General Osório (Centro). A apelação de um freguês pode ser hoje encontrada na página 508 dos "Annais da Câmara dos Vereadores da Cidade de São Paulo".
O dito cidadão recorreu ao prefeito Washington Luís num ofício, pedindo que as vendas passassem das segundas-feiras para os domingos. "Dias estes mais próprios para o operariado fazer suas compras, como se faz em diversas partes da Europa."
Um ano depois, crises no abastecimento de frutas e verduras se agravaram. Os alimentos estavam caros e escassos. A Light, empresa pública responsável pelos bondes, fornecia três carros que davam passagem gratuita aos lavradores que trouxessem produtos de hortas dos subúrbios.
Naquele momento, havia apenas alguns mercadões, como o São João (que estava mal das pernas) e o Caipiras, em Pinheiros. Foi quando o vereador Alcântara Machado sugeriu implantar os "mercados volantes".
O colega Carlos Botelho era contrário, atentando à "imundície, ainda que temporária", do negócio, conforme a ata da Câmara do ano.
Certo de que estaria ali solução rápida e eficaz para o apagão de alimentos em São Paulo, Machado rebateu. "A experiência demonstra o contrário. Prouvera aos céus que tivéssemos a cidade de São Paulo tão limpa, tão asseada como Zurique ou Genebra!"
Cinco meses e quatro dias depois desse bate-boca, em 25 de agosto de 1914, publicava-se o ato 710 autorizando a criação dos mercados francos.
Ele instituía: praça General Osório, às segundas e quintas-feiras; praça Senador Moraes Barros, às terças-feiras; praça São Paulo, às quartas-feiras; rua São Domingos, às sextas-feiras; e largo do Arouche, aos sábados.
Daí por diante, instalam-se ano a ano mais feiras pela cidade. O comércio criava empregos, atendia à população e ainda gerava divisas para a prefeitura —todo feirante até hoje paga um imposto para ocupar as ruas.
A GUERRA DOS PASTÉIS
Mas o pega-pra-capar entre feirantes e poder público não parou por aí.
Nos anos 1970, pastéis foram o alvo da vez. Um grupo de imigrantes japoneses, sem emprego, aprendeu com chineses em Santos como preparar uma massa simples, que, imersa no óleo quente, ficava crocante e desmanchava na boca.
Na capital, um dos pupilos experimentou rechear a receita com gostosos ingredientes. Sucesso absoluto: quase todas as feiras ganharam sua barraca de pastel.
Como documentam jornais da época, fiscais municipais, contudo, sem ter regras para monitorar a produção, proibiram a venda. A reclamação foi geral, e a prefeitura acabou cedendo. A partir do primeiro dia de julho de 1978, pasteleiros puderam aquecer seus tachos de óleo tranquilamente.
Outra vitória doce aconteceu em outubro de 1982, quando oficializaram a venda do caldo de cana, reivindicada novamente pelos japoneses.