--Cheiro agua! Dizia elle, cheiro agua!
E nós todos atraz d’elle, farejando tambem, quasi já viamos a agua--sabendo bem que estes Hottentotes, como todos os selvagens, possuem um faro maravilhoso. Mas n’esse instante os grandes raios do sol que nascia bateram-nos o rosto. E olhando, descobrimos uma tão grandiosa paizagem, que por um momento esquecemos a agua e os tormentos da sêde!
Diante de nós, a umas dez ou doze leguas, rebrilhando como prata nos primeiros raios do dia, erguiam-se os dois enormes montes que o portuguez chamára os «Seios de Sabá»; e de cada lado d’elles, estendendo-se sem fim, durante centenares de milhas, a vasta cordilheira de Suliman! Não é possivel transmittir, no verbo humano, a incomparavel grandeza e belleza d’aquelle quadro de montanha!
Alli estavam as duas enormes serras que não têm iguaes na Africa, nem creio que no resto do mundo, medindo pelo menos mais de quinze mil pés d’altura, emergindo da cordilheira infinita--brancas, mudas, de portentosa solemnidade, enchendo o céo até acima das nuvens. E o que esmagava a alma, era a assombrosa estructura. A cordilheira estendia-se como um muro disforme de granito, d’altura de mil pés: as duas serras formavam como os dois torreões d’uma porta, perdidos nas profundidades: a parte da serra que separava os dois montes, sendo talhada a pique, lisa e rigorosamente horisontal no alto, reproduzia a configuração d’uma porta prodigiosa:--e o aspecto todo era como o d’uma muralha cercando uma cidade fabulosa de sonho ou de lenda!
Bem justamente chamára o velho fidalgo portuguez aos dois montes «Seios de Sabá»! Tinham com effeito a fórma perfeita de dois peitos de mulher: as suas vastas faldas iam subindo da planicie, n’uma curva dôce e tumida, parecendo áquella distancia formosamente redondas e lisas: e no cimo de cada uma, um immenso outeiro sobreposto, todo coberto de neve, semelhava exactissimamente a ponta, o bico d’um peito. Prodigiosa estructura! Se a Terra, como pretendia a antiga Mythologia, é uma mulher, a enorme Cybele--ahi estavam decerto os seus peitos uberrimos! Mas á minha imaginação (nunca muito inventiva, mas perturbada e excitada n’esse momento pela fraqueza) aquillo tudo se afigurava uma muralha estupenda, cercando e defendendo uma região de infinito mysterio; e a cada instante me parecia que a porta de granito ia rolar, abrir-se com fragor, e desvendar algum segredo secular--o segredo talvez da Terra d’Africa! E o mais extraordinario foi que, emquanto assim contemplavamos assombrados, começaram a subir, a agglomerar-se em torno aos dois montes lentas e estranhas nevoas e nuvens, como para esconder aos nossos olhos mortaes a magestade d’aquelle ádito, que uma vontade divina nos deixára por um momento entrever. D’ahi a pouco os «Seios de Sabá» estavam envolvidos de todo, resguardados sob o mystico véo--através do qual só podiamos distinguir agora as suas linhas, formidavelmente espectraes!... Depois, mais tarde, descobrimos que esses montes, em tudo singulares, estavam ordinariamente velados por esta curiosa nevoa, como por uma cortina de Sacrario. Só a certas horas, ao romper do sol, a cortina se descerrava, como n’uma celebração, desvendando aos homens a maravilha sem par.