O capitão nunca vira um eland. Quiz aproveitar a occasião, deu a carabina a Umbopa, e seguido de Khiva adiantou-se, de monoculo fito, para o tufo de arbustos em flôr. O barão e eu sentámo-nos á espera, n’uma pedra.
O sol ia justamente descendo, n’um grande esplendor de vermelho e ouro. O barão e eu contemplavamos, calados, aquella belleza de céo e luz, quando de repente ouvimos o bramido d’um elephante e vimos, escura sobre a vermelhidão do poente, uma vasta fórma avançando a galope, de tromba erguida e cauda espetada. Logo immediatamente vimos outra coisa horrivel:--o capitão, e Khiva, o serviçal zulú, fugindo para nós n’uma carreira perdida, perseguidos pelo elephante! Era o grande bicho ferido, o «Patriarcha» que alli ficára, errando. Agarrámos n’um impeto as carabinas. Mas quê! Fera e homens, correndo para nós, vinham juntos! Se disparassemos, a bala podia varar John ou Khiva... E assim ficámos n’esta indecisão, com o coração a tremer, quando o pobre capitão escorrega n’aquelles infames botins de bezerro com que teimava em trilhar o sertão--e cae, estatelado, de face na terra, diante mesmo do enorme elephante que chegava bramindo!
Fugiu-nos a respiração! O pobre camarada estava perdido! Largámos ainda a correr para elle, desesperadamente. E o desastre veio, com effeito--mas d’um modo bem differente. Khiva, o Zulú (valente, heroico rapaz que era!), vendo o amo por terra, volta-se, e arremessa a zagaia a toda a força contra a tromba do elephante. A fera lança um uivo de dôr, arrebata o desgraçado Zulú, bate com elle no chão, põe-lhe uma immensa pata sobre as pernas, e enrodilhando-lhe a tromba no peito, rasga-o--litteralmente o rasga em dois.
Corremos, cheios de horror, fizemos fogo uma vez, outra vez, furiosamente--até que o elephante se abateu como um monte sobre os pedaços sangrentos do Zulú.
Foi um instante de indizivel consternação. Apesar de endurecido por quarenta annos de caça e carnificinas, eu proprio sentia um «nó na garganta», e creio que me fiz pallido. O barão tremia todo. E o pobre capitão torcia as mãos, na dôr de vêr assim despedaçado o servo valente que dera a vida por elle.
Só Umbopa teve a palavra serena que convinha á disciplina. Veio, com os seus passos altivos e leves, contemplar os restos de Khiva, n’uma poça de sangue, junto á massa enorme do elephante, moveu a mão no ar e disse:
--Morreu. Bem d’elle, que morreu como um homem!