Peter Solomon se encolheu de dor ao tentar mover os membros dormentes.
— Por que você está fazendo isso comigo? Aonde pensa que vai chegar?
— Você, mais do que ninguém, deveria entender — respondeu Mal’akh. — Afinal, estuda os costumes antigos. Sabe que o poder dos mistérios está no sacrifício... na libertação da alma humana do invólucro do corpo. É assim desde o início.
— Você não sabe nada sobre sacrifício — disse Peter com a voz cheia de dor e repugnância.
Excelente, pensou Mal’akh. Alimente seu ódio. Ele só vai tornar tudo mais fácil.
A barriga vazia de Mal’akh roncou enquanto ele andava de um lado para outro.
— O derramamento de sangue humano é extremamente poderoso. Todos compreenderam isso, dos antigos egípcios aos druidas celtas; dos chineses aos astecas. Existe magia no sacrifício, mas o homem moderno se tornou fraco e temeroso demais para fazer oferendas de verdade. Sua fragilidade o impede de entregar a vida em troca da transformação espiritual. Mas os textos antigos são claros. Somente ofertando aquilo que é mais sagrado pode o homem ter acesso ao maior de todos os poderes.
— Você considera a mim uma oferenda sagrada?
Mal’akh deu uma risada sonora.
— Você realmente ainda não entendeu, não é?
Peter lançou-lhe um olhar esquisito.
— Sabe por que eu tenho um tanque de privação sensorial em casa? — Mal’akh pôs as mãos nos quadris e flexionou os músculos de seu corpo adornado com esmero, coberto apenas por uma tanga. — Eu venho treinando... me preparando... à espera do momento em que serei apenas mente... depois de me libertar desta concha mortal... e ter ofertado este lindo corpo aos deuses em sacrifício. Quem é precioso sou eu! Sou eu o cordeiro imaculado!
A boca de Peter se escancarou, mas nenhuma palavra saiu.
— Sim, Peter, um homem deve ofertar aos deuses aquilo que lhe é mais caro. A sua mais pura pomba branca... sua oferenda mais preciosa e digna. Você não é precioso para mim. Você não é uma oferenda digna. — Mal’akh o fuzilou com o olhar. — Será que não entende? Você não é o sacrifício, Peter... o sacrifício sou eu. A minha carne é a oferenda. Eu sou o presente. Olhe para mim. Eu me preparei e me tornei digno para minha derradeira jornada. O presente sou eu!
Peter continuou mudo.
— O segredo é saber como morrer — prosseguiu Mal’akh. — Os maçons entendem isso. — Ele apontou para o altar. —Vocês reverenciam os antigos princípios, mas, apesar disso, são covardes. Entendem o poder do sacrifício, mas mantêm uma distância segura da morte, encenando seus assassinatos de mentira e seus rituais sem sangue. Hoje à noite, este altar simbólico irá testemunhar seu verdadeiro poder... e seu verdadeiro objetivo.
Mal’akh estendeu o braço e agarrou a mão esquerda de Peter Solomon, pressionando em sua palma o cabo da faca da Akedah. A mão esquerda serve às trevas. Isso também havia sido planejado. Peter não teria escolha. Mal’akh não conseguia imaginar sacrifício mais potente e mais simbólico do que um feito naquele altar, por aquele homem, com aquela faca cravada no coração de uma oferenda cuja carne mortal estava envolta, como um presente, numa mortalha de símbolos místicos.