Neste trecho está apresentada de forma incisiva a idéia de que o Exército tinha de proteger-se das ações impatrióticas de políticos corruptos para manter as instituições nacionais, o que passou a ser uma missão especial ou uma atribuição do Exército para finalmente transformar-se em um encargo tradicional.
Como durante o período colonial, o Exército continuou a ser utilizado em uma série de atividade não-militares. O emprego da tropa em atividades de policiamento e de guarda em áreas muito amplas impossibilitavam a realização de manobras com grandes efetivos e longa duração. Os engenheiros militares foram empenhados na construção de edifícios públicos, estradas, portos, linhas telegráficas e até de algumas fábricas. O estabelecimento de colônias militares nas áreas de fronteira foi uma outra tradição mantida durante o Império.
O IMPACTO DA GUERRA DO PARAGUAI
O Brasil travou uma guerra de pequenas proporções contra o ditador argentino João Manoel Rosas em 1852 e o conflito que não teve longa duração serviu para demonstrar a fraqueza do Exército como força de primeira linha. A Guarda Nacional também demonstrou deficiência, particularmente porque seus integrantes, donos de terras, pleitearam "isenção do serviço". A Guerra do Paraguai (1865‑70), entretanto, serviu como divisor de águas na busca histórica dos chefes militares brasileiros por sua destinação verdadeira na sociedade, já que lhes proporcionou um sentido de solidariedade corporativa. Esta solidariedade dentro da instituição, por sua vez, facilitou o surgimento de um espírito de corpo que extravasou os limites da organização ‑ chegando a ser uma mística ‑ e impulsionou os chefes militares no cenário político nacional, donde não se afastaram mais, em caráter definitivo. A guerra, de considerável envergadura e duração, possibilitou um teste nas estruturas imperiais, consideradas deficientes. O conceito de nação armada foi empregado para estimular o apoio ao esforço de guerra e o legendário Caxias foi convocado para comandar as forças brasileiras e por fim todas as forças da Tríplice Aliança.
Os chefes militares viram de forma impatriótica o comportamento dos civis durante a Guerra do Paraguai. A elite proprietária de terras evitou servir de todas as maneiras possíveis, isto é, fazendo-se substituir por escravos, doando provisões à Guarda Nacional e utilizando outros artifícios. Alguns dedicaram-se ao enriquecimento ilícito, ao fornecer suprimentos ao Exército. No início da guerra o Gabinete liberal tentou impedir a nomeação de Caxias, que era ligado ao Partido Conservador, para o comando das forças brasileiras. Caxias era considerado um homem providencial, de forma que ele acabou sendo nomeado. Os líderes liberais, entretanto, enfureciam Caxias com suas críticas através da imprensa. Brandindo a espada da honradez, Caxias forçou D. Pedro a mantê-lo como comandante e dissolver o Gabinete liberal ou a instituí-lo. D. Pedro optou pela substituição do Gabinete; os liberais consideraram o ato como uma derrota dos métodos democratas, com vinculações militaristas e caudilhistas.
O DECLÍNIO DA GUARDA NACIONAL
O declínio da Guarda Nacional, considerada a principal força com o encargo de dar continuidade ao ideal de nação armada e que também era vista como um exército de segunda linha, apresenta grande importância no soerguimento do Exército depois da Guerra do Paraguai. O fracasso da guarda na consecução de seus objetivos, relacionado com a inabilidade da burocracia em se desenvolver gradualmente, segundo diretrizes racionais, em ritmo mais apressado, foi atribuído ao fato de que a instituição estava radicalmente comprometida assim como dependia de serviços não remunerados de civis. A idéia de que a Guarda poderia servir para de forma discreta socializar o segmento não elitista da população nas instituições públicas falhou porque essa parcela da plebe se recusou a ser coagida para o serviço. O serviço sem remuneração era desarrazoado porque interferia nas necessidades pessoais do cidadão.
Aqui, novamente, aparecia a grande importância do legado colonial. Como foi destacado por Michael Conniff, "a cidade do período colonial tinha duas diferentes tradições legais potencialmente conflitantes, a patrimonial e a municipal". Como já foi observado, o governo patrimonial baseava-se na disposição da elite rural de administrar em nome do rei. O governo municipal, que vinha do tempo dos visigodos, depositava o poder da autoridade nas mãos dos mais velhos da localidade sendo que o relacionamento com o rei se dava através do foro. A questão que se levantava era se a Guarda iria servir aos objetivos da nação-estado com mais zelo do que os das municipalidades. A resposta era que não, aparentemente.