O EXÉRCITO NO PERÍODO 1840-1865
Durante esse período, os soldados incorporados ao Exército continuavam provindo do rebotalho da sociedade. Um decreto da época estabelecia que os oficiais do Exercito deviam ser remunerados com 4.000 réis por todo soldado que conseguissem recrutar, sem que houvesse qualquer exigência quanto à educação ou antecedentes de natureza social. Além disso, um cidadão que tivesse recursos podia pagar 400.000 réis ou mandar um escravo em seu lugar, livrando-se da convocação. Uma conseqüência importante dessa política foi que a tropa do Exército passou a ser composta de gente de cor.
A Academia Militar continuava a proporcionar indicações seguras a respeito da doutrina oficial com relação aos objetivos do Exército. Várias reformas foram introduzidas na Academia nesse período - todas relacionadas à tentativa de associar a elite rural ao Exército, ao mesmo tempo em que "preparava cidadãos para vários destinos". As discrepâncias existentes resultaram na criação de uma escola separada, em 1855, chamada Escola de Aplicação, onde os alunos que tinham optado pela carreira militar podiam realmente dedicar-se à vida castrense. A Escola de Aplicação, localizada na Praia Vermelha, como o tempo se tornou conhecida simplesmente como Escola Militar. A antiga academia militar no Largo de São Francisco tornou-se a principal escola de engenharia. Uma escola de formação de pessoal de infantaria e cavalaria, chamada Escola de Tiro de Campo Grande, foi criada em 1859.
Nessa época, dois em cada três estudantes da academia militar iam para a Escola de Aplicação. Esses estudantes que se orientavam para a carreira militar eram "filhos de militares, de modestos funcionários, de pequenos comerciantes e de pequenos proprietários de terras. Ela não era atrativa para os filhos de grandes proprietários rurais nem para os filhos de funcionários administrativos de alto nível". Os filhos de famílias de imigrantes que chegavam ao Brasil por essa época procuravam ingressar no quadro de oficiais, porque procediam da Europa, onde a carreira militar era conceituada. Sobrenome como Muller, Trompowsky, Schmidt, Midosi e Portocarrero vieram juntar-se aos nomes de famílias tradicionais, como Mena Barreto e Lima e Silva.
Para ser declarado oficial de engenharia ou de artilharia, que equivalia a um curso universitário, o estudante recebia um diploma de bacharel da academia militar, já que estes cursos eram considerados os mais técnicos. As praças, provindas da tropa, podiam atingir o oficialato na infantaria e na cavalaria. As promoções no quadro de oficiais passaram a ser feitas por antigüidade e por merecimento e eram controladas por comissões de promoção que foram gradualmente substituindo os presidentes de província, nessa atividade. Graças aos esforços reformistas do Duque de Caxias, estes aperfeiçoamentos começaram a criar uma aura em torno do Exército, como uma instituição que funcionava de acordo com princípios técnicos, racionais e modernos. A medida que isto se passava, as vantagens que os filhos de família da elite conseguiam na carreira militar foram desaparecendo. Em conseqüência, estes rapazes "relegavam a pouco promissora carreira militar aos que tinham condição social inferior" e ao invés dela optavam por outras profissões e pelo serviço público, onde as influências familiares ainda ofereciam grandes vantagens. A reforma de 1838 constituiu‑se na última tentativa do lmpério de vincular a classe dominante ao Exército.
Os cadetes desse período não revelavam uma atitude harmoniosa em relação às normas legais, que tinha sido uma das características da geração de Caxias. É possível que os antecedentes sociais dos cadetes constituíssem um fator nesse contexto. Um outro fator era constituído pelo tipo de educação que estavam recebendo na academia militar. A tendência dos ensinamentos era demasiado abstrata, com a predominância da teoria militar francesa, até a guerra franco-prussiana de 1870. O treinamento se valia do emprego de soldadinhos de chumbo, de modelagens de fortificações e de outros recursos, sendo que os exercícios militares reais se limitavam a duas semanas, no fim de cada ano, na área de Copacabana. José da Silva Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco, lecionava na academia e propugnava por estudos mais práticos, alertando que ensinamentos tão teóricos contribuíam para a criação de um órgão deliberativo.
O espírito irrequieto dos cadetes era bem conhecido. Eles editavam um jornal intitulado O Militar no qual censuravam o governo sobre uma série de problemas. Eles criticavam os métodos administrativos antiquados alegando que a classe dominante "evitava e até prejudicava, com uma teia inextrincável de normas e de leis... qualquer empreendimento Industrial". Outros problemas nacionais também preocupavam os cadetes, como a escravidão, a conveniência de imigração, melhoramento das comunicações, com o objetivo de melhorar o padrão da tropa do Exército. Era particularmente interessante o ponto de vista que tinham com relação á importância institucional do Exército. Uma das edições de O Militar continha o seguinte trecho:
Ninguém pode negar que a nação deve a manutenção de suas instituições à fidelidade do Exército; seu sentimento de lealdade sempre resistiu aos oferecimentos daqueles que, satisfeitos hoje na direção dos negócios públicos, clamam o povo às armas mais tarde quando as rédeas do governo são conferidas a outros; neste ambiente de corrupção generalizada de idéias e de egoísmo, o desinteressado Exército paira como uma autoridade respeitada.