O SEGUNDO IMPÉRIO 1840-1889
´Durante o longo reinado de D. Pedro II (1840‑89), o Império progrediu materialmente; o café, principal artigo de exportação, produziu alto rendimento; as cidades cresceram em tamanho e importância. A nova classe urbana e os poderosos plantadores de café começaram a desafiar o controle tradicional dos aristocratas produtores de açúcar, que se constituíam no principal sustentáculo da monarquia. Em contraposição, a outrora abastada mas agora empobrecida classe dos produtores de açúcar do Nordeste, a aliança dos produtores de café e da classe urbana, que se projetava, era favorável às mudanças. As cidades, particularmente, tornaram-se centros de agitação. Depois de 1870, novas idéias começaram a se irradiar dos centros urbanos, principalmente sobre a separação da Igreja do Estado, a liberação dos escravos e a proclamação da república. Quando a Monarquia se alheou dos três segmentos que tradicionalmente lhe proporcionavam apoio - os produtores de açúcar, a Igreja e os militares - perdeu sustentação e caiu, impotente em oferecer resistência e incapaz de encontrar quem a defendesse.´
Para entender o surgimento da mística da instituição militar no contexto da síntese acima apresentada, é necessário visualizar a evolução do Exército, da escola militar, do sistema político, da paramilitar Guarda Nacional e do impacto das guerras.
As facciosas lutas partidárias desse período revelam que “o Brasil possuía um simples partido durante o reinado de D Pedro II...com duas facções lutando pelo controle das bases do poder imperial”. Os dois maiores partidos - o Liberal e o Conservador - eram “assemelhados a famílias grandes” e suas lutas eram entrechoques cruentos “nos quais os grandes problemas e os princípios eram sacrificados em benefício de considerações políticas imediatas de obtenção do poder com o propósito de distribuição de benesses”. A estabilidade do sistema dependia da ação de D. Pedro II como árbitro, através do seu poder moderador, da lealdade do Exército, personificado em Caxias.
Durante a década de 1840, distúrbios políticos regionais e o envolvimento periódico da Guarda Nacional, particularmente pelos liberais, em problemas políticos, provocaram a interdição da referida organização em três ocasiões. A despeito deste emprego abusivo da Guarda, era necessário, de acordo com um representante do Parlamento, "contrabalançar a influência do Exército'.
Na década de 1850, a situação tinha-se estabilizado bastante de forma que os partidos políticos pressionaram o governo central para a obtenção de recursos em troca de apoio eleitoral. Os chefes elitistas dos clãs do interior buscaram alcançar o controle sobre um partido político - via de regra o Partido Conservador - enquanto os liberais tendiam a se alinhar com grupos urbanos. A influência de pessoas de destaque, de âmbito local, começou a depender de ligações na capital, de forma que as benesses partidárias passaram a substituir as estruturas constituídas pelo parentesco. Na prática, o coronel da Guarda Nacional mandava seu filho ou um parente para representá-lo no governo. Isto caracteriza o surgimento dos bacharéis, ou seja, políticos com conhecimento das leis e que misturavam partido e parentesco no exercício de suas atividades.
O ano de 1850 também assinala o começo do movimento de governo para, utilizar a Guarda Nacional na institucionalização de uma nova ordem administrativa. Nesse ano, "a Guarda Nacional foi incorporada ao poder central". Isto parecia que fora provocado por uma profunda mudança do particularismo do patrimonialismo para o universalismo da autoridade burocrática racional. Foi criado um novo Ministério da justiça para supervisionar a enorme expansão na estrutura legal que devia proporcionar os dispositivos normativos para a implementação dos métodos racionais de administração. Mas a defesa de um novo código impessoal que transcendia o particularismo da vendeta não fazia sentido na sociedade patriarcal do interior.
A Guarda Nacional, que se supunha poder facilitar a institucionalização da nova ordem de causas, estava, como já se acentuou anteriormente, sob a supervisão dos presidentes de província. Estes, por sua vez, tinham de negociar com a corte burocrática, nas figuras dos ministros da justiça e do interior. A função mais técnica na Guarda era exercida por um major do Exército. Além disso, os comandantes da Guarda com experiência no exército regular eram os que tinham maior probabilidade de atingir o objetivo da racionalização administrativa, o que levou um dos comandantes a sugerir a adoção dos padrões administrativos do exército regular para a Guarda como um todo. Esta sugestão continha importantes aplicações, considerando a possibilidade de que o exército regular podia ser mais útil na consecução do objetivo da nação armada do que a Guarda Nacional. Embora não tenha sido aceita na época, a idéia se tornou mais viável na década de 1870 com o efetivo fracasso da Guarda em atingir seus objetivos.
E a filosofia de governo de D. Pedro II? Eram bem conhecidas suas inclinações liberais. Robert Daland afirma que D. Pedro, na verdade, equilibrava-se em corda bamba "e não estava em condições de engajar-se em um programa prudente de reforma burocrática centralizada e racional". Este modo de ver parecia ignorar o objetivo principal da Guarda Nacional. Por outro lado, em face da Guarda ter falhado em executar sua reforma, D. Pedro pôs em execução um sistema de manutenção do status quo político. Teoricamente, sob sua direção, o Estado exercia o poder mas não de forma autoritária, que impusesse obediência. Pelo contrário, ele persuadia, barganhava, cooptava.
E qual era a atitude de D. Pedro com relação ao Exército? Pedro Calmon diz que "tínhamos um Imperador que - contrário à orientação política de D. Pedro I - demonstrava em relação à administração civil, às ciências e às letras, o interesse que outros monarcas dedicavam a seus exércitos". O fato de que D. Pedro era essencialmente um pacifista por natural inclinação podia constituir mais uma razão para reforçar sua convicção de que os militares deviam manter-se afastados da política. Neste aspecto há uma pequena contradição já que D. Pedro com freqüência convocava Caxias para missões políticas e cargos públicos.