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CAPITULO V A NOSSA ENTRADA NO DESERTO-13
日期:2024-11-12 10:22  点击:205
N’essa noite continuámos a ascensão do monte, á luz da lua, carregados de melões para a sêde. Á maneira que subiamos, o ar esfriava consoladoramente. Ao clarear do dia estavamos a umas doze milhas da linha de neve. Encontrámos mais melões: e a agua emfim, louvado Deus, já não nos inquietava, porque bem cedo penetrariamos nas regiões do gelo. No emtanto era immenso o nosso pasmo de não encontrar nascentes, quedas d’agua, um riacho corrente; porque decerto no verão as neves, derretendo, deviam encher d’agua aquellas encostas. Por onde corria a agua pois, para onde se sumia a agua? Só mais tarde descobrimos que (por uma causa ainda hoje para mim incomprehensivel) toda a agua, em riacho ou em queda, descia pela vertente norte da serra.
 
A subida cada vez se tornava mais aspera e custosa. Apenas faziamos uma milha por hora. A carne sêcca acabára. Melões, nenhuns mais encontrámos. O frio augmentava quasi a cada passada--o que nos permittia certamente caminhar de dia, mas nos regelava de noite terrivelmente! Havia agora muitas horas que não comiamos. A serra subia, subia diante de nós, cada vez mais desolada, mais núa de verdura ou vida. Os nossos momentos de repouso passavam n’um silencio sombrio e cheio de desesperança. Eu por mim ia já tão debilitado e confuso, que, d’esses tres dias que nos levou a ascensão da serra, não me recordo com bastante nitidez--e só poderia reconstruil-os pelos apontamentos do meu Diario. Na nota com data de 22 de maio encontro isto:--«Partimos ao nascer do sol. Vamos meio desmaiados de fraqueza. Só quatro milhas andadas. Comemos os pedaços de neve que começámos a encontrar. Frio intenso. Cada um de nós bebe uma gota de cognac. Para dormir amontoamo-nos uns sobre os outros: nem assim conservamos calor. Estamos verdadeiramente soffrendo de fome. Julguei que Venvogel, o nosso Hottentote, ia morrer esta noite».--Tudo isto é já terrivel. Mas o seguinte apontamento, datado de 23 de maio, recorda soffrimentos mais vivos:--«Estamos n’uma situação medonha. A não ser que encontremos que comer hoje, o nosso fim está proximo. O cognac acabou. Venvogel, que como todos os Hottentotes não póde aguentar frio, parece perdido. As ancias agudas da fome passaram. O que eu sinto (e os outros dizem que sentem o mesmo) é uma especie de adormecimento, de torpor no estomago. Estamos ao nivel da grande escarpa, que eu chamo a porta, o colossal muro de terra, lava e rocha, que liga os dois seios de Sabá. Para traz de nós estende-se o deserto que atravessamos... Para que o atravessamos nós?» Logo abaixo d’estas linhas ha outra, escripta decerto n’um dos momentos em que paravamos:--«Deus se amerceie de nós, que chegou o nosso fim!»
 
Esta linha não tem data, mas sem duvida foi traçada no dia 24. Depois os apontamentos falham; mas eu muito bem me recordo dos successos n’esse estranho dia. Iamos então caminhando através da neve, com paragens incessantes, impostas pela incomparavel fadiga. Tudo em redor era radiantemente, indescriptivelmente branco. E esta absoluta brancura, sob o absoluto silencio, tornava-se tanto mais desoladora, quanto evidenciava a ausencia de vida--e a impossibilidade de achar que comer, fosse animal ou planta. Quasi ao pôr do sol chegámos junto da «ponta do seio», d’essa enorme collina de neve dura, que, pousada no topo da montanha (da montanha que reproduzia a fórma perfeita d’um seio), parecia ella propria o bico d’esse peito descommunal. Apesar de exhaustos, prendemo-nos um instante na admiração d’aquelle esplendido cume de monte--mais esplendido ainda pela luz vermelha e côr de rosa em que os raios do sol poente o envolviam, dando-lhe um tom de carne, d’uma carne sobrenatural que de si irradiasse luz. Mas a admiração não podia durar em homens collocados como nós, a tão extrema visinhança da morte. O nosso mal era sobretudo o frio. Bem comidos, estimulados por um vinho generoso, ainda poderiamos aguentar a pavorosa temperatura d’aquellas neves eternas. Mas assim, moribundos de fome,--como resistir á noite que vinha cahindo? Quando o sol nos faltasse, como viveriamos, a menos de encontrar um abrigo? Abrigo!... onde estava elle, n’essa branca e lisa vastidão de neve?
 
--A cova de que falla o portuguez, no papel, deve ser por aqui, murmurou o capitão John.
 
Pobre John! Tinha os olhos (como os outros, como eu decerto) encovados, esgazeados, rebrilhantes de febre, sobre a lividez da face hirsuta. Considerei um momento o pobre amigo encolhendo os hombros:
 
--Cova! Se tal cova existe... Na cova estamos nós, ou á beira d’ella. 
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