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CAPITULO V A NOSSA ENTRADA NO DESERTO-1
日期:2024-08-23 09:48  点击:313

Tinhamos morto nove elephantes. Dois longos dias levámos a serrar-lhe os dentes e a enterral-os com cuidado debaixo d’uma arvore enorme, que destacava isoladamente na vasta planicie, e formava um «signal» inesquecivel. Era um esplendido lote de marfim! Só os dentes do «Patriarcha» pesavam (tanto quanto pude avaliar) uns cento e setenta arrateis!

 

O pobre Khiva, esse, sepultámol-o ao pé da collina, com uma azagaia ao lado, para se defender dos Espiritos Malignos na sua difficil jornada para o Paraiso zulú. Ao romper do terceiro dia levantámos o acampamento--todos nós fazendo votos no silencio da nossa alma para que nos fosse dado voltar um dia! Eu, mentalmente, accrescentava:--«voltar e desenterrar este rico marfim!»

 

Depois d’uma fatigante marcha, cortada d’esses episodios africanos que todos os Africanistas experimentam, chegámos emfim á aringa de Sitanda, ao pé do rio Lukanga. Ahi era verdadeiramente o nosso «ponto de partida». Ahi começariam as nossas miserias.

 

Perfeitamente me lembro do sitio, e da nossa chegada. Para a direita descia, transmalhada, uma pequena povoação de negros, com curraes de gado murados de pedra solta, e leiras de terra cultivada ao comprido da agua clara. Por traz da aldeia ondulavam grandes pradarias de herva alta, onde a caça abundante esvoaçava. E para a esquerda era o escuro, silencioso, infindavel deserto.

 

O nosso acampamento ficou junto d’esse riacho alegre que corria entre arbustos em flôr. Defronte erguia-se um outeiro pedregoso. Apenas erguemos as tendas, subi lá com o barão. Era aquelle o sitio, aquelle o outeiro onde eu vira, havia vinte annos, n’uma tarde como esta, a figura do pobre Silveira, com o seu grande casacão comprido, apparecer cambaleando, toda escura na vermelhidão do poente. Como então, o globo do sol afogueado descia já rente da terra--e os seus raios flexavam obliquamente aquelle deserto coberto de tojo baixo, sombrio, sem agua, sem vida, terrivelmente mudo, que matára o pobre portuguez, que nos ia talvez matar a nós. Ficámos olhando para elle em silencio. O ar era d’uma admiravel finura e transparencia; e longe, muito ao longe, podiamos distinguir, recortada no horisonte, pallidamente azulada e com laivos brancos de neve, a cordilheira de Suliman. Mostrei-as ao meu companheiro:

 

--A entrada das minas de Salomão lá está... Chegaremos nós lá?

 

N’esse instante senti alguem por traz de nós respirando: era Umbopa, que trepára tambem ao comoro, e considerava o deserto com pensativa gravidade. Vendo que eu reparára n’elle, deu um passo lento, depois outro mais lento. E dirigindo-se ao barão (a quem parecia ter-se affeiçoado), apontando com a sua grande azagaia para o lado dos montes:

 

--É para aquella terra além que tu vaes, Incubú?

 

Incubú é uma palavra do dialecto zulú, que significa «elephante», e que servia, ente os Cafres, para designar o nosso chefe. Estranhei a audacia d’Umbopa, e perguntei-lhe asperamente que tosca maneira era essa de fallar a seu amo... Que o negro dê uma alcunha negra ao patrão, por lhe ser mais facilmente pronunciavel que o nome--vá! Que a um como eu, pobre caçador que ganha o seu pão, o negro se dirija sempre pela alcunha negra--vá ainda! Mas que a atire á face d’um senhor, d’um fidalgo--isso não! 
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