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CAPITULO II PRIMEIRA NOTICIA DAS MINAS DE SALOMÃO-4
日期:2024-05-16 09:47  点击:375
Começou então a procurar tremulamente dentro do peito da camisa. Tirou por fim uma especie de bolsa de tabaco, já velha, apertada com uma correia. Estava tão fraco que as suas pobres mãos nem puderam desfazer o nó. Fez-me um gesto, um gesto exhausto, para que eu o desatasse. Dentro havia um farrapo de linho amarellado, com linhas escriptas, n’um tom antiquissimo, de côr de ferrugem. E dentro do farrapo estava um papel dobrado.
 
--O papel, murmurou elle n’uma voz que se extinguia, é a cópia do que está escripto no trapo. Levou-me annos a decifrar, a entender... Foi um antepassado meu, um dos primeiros portuguezes que vieram a Lourenço Marques, que escreveu isso, quando estava para morrer acolá n’aquellas serras. Chamava-se D. José da Silveira, e já lá vão trezentos annos... Um escravo que ia com elle, e que ficára a esperar, do lado de cá do monte, vendo que o amo não voltava procurou-o, foi dar com elle morto, e trouxe para Lourenço Marques o bocado de linho que tinha letras. Desde então ficou guardado na nossa familia. Ha trezentos annos! E ninguem pensou em o decifrar até que eu me metti n’isso... Custou-me a vida. Mas talvez outro consiga. Talvez outro chegue lá, ás malditas serras! Será então o homem mais rico d’este mundo! O mais rico, o mais rico! Tente vossê, camarada... Não dê o papel a ninguem! Vá vossê!
 
As ultimas palavras sahiram como um debil sopro. Cahiu de costas, recomeçou a delirar. D’ahi a uma hora tudo acabou, Deus tenha a sua alma em descanço! Morreu serenamente, sem esforço e sem dôr. Por minhas mãos o enterrei, bem fundo na terra, com fortes pedregulhos por cima do peito. Ao menos assim não darão com elle os chacaes.
 
Foi ao pé da cova, onde o desgraçado jazia, que examinei o documento. Era, como disse, um farrapo de linho, rasgado d’uma fralda de camisa e do tamanho d’um palmo. No topo tinha os traços de um mappa, ou de um roteiro, rapidamente e toscamente lançados. Era pouco mais ou menos isto:
 
Por baixo vinham linhas escriptas, n’uma letra muito antiga e côr de ferrugem. Para mim eram inintelligiveis. Mas o papel continha a decifração, e dizia assim:
 
«Estou morrendo de fome, n’uma cova da banda norte d’um d’estes montes a que dei o nome de «Seios de Sabá», no que fica mais a sul. Sou D. José da Silveira, e escrevo isto no anno de 1590, com um pedaço d’osso, n’um farrapo da camisa, tendo por tinta o meu sangue. Se o meu escravo aqui voltar, reparar n’este escripto, e o levar para Lourenço Marques, que o meu amigo [aqui um nome illegivel], logo pela primeira nau que passar para o Reino, mande estas coisas ao conhecimento d’El-Rei, para que Elle remetta uma armada a Lourenço Marques, com um troço de gente, que se conseguir atravessar o deserto, vencer os Kakuanas que são valentes, e desfazer os seus feitiços (devem vir muitos missionarios) tornarão Sua Alteza o mais rico Rei da Christandade. Com meus proprios olhos vi os diamantes sem conto amontoados n’um subterraneo que era o deposito dos thesouros de Salomão, e que fica por traz d’uma figura da Morte. Mas por traição de Gagula, a feiticeira dos Kakuanas, nada pude trazer, apenas a vida! Quem vier siga o mappa que tracei, e trepe pelas neves que cobrem o Seio de Sabá, o esquerdo, até chegar ao cimo, d’onde verá logo, para o lado norte, a grande calçada feita por Salomão. D’ahi siga sempre, e em tres dias de marcha encontrará a aringa do rei. Quem quer que venha que mate Gagula. Rezem pelo descanço da minha alma. Que El-Rei Nosso Senhor seja logo avisado. Adeus a todos n’esta vida!» 
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