—Talvez—pensou com os seus botões—este lobo seja sociavel.
E de dentro da barriga, em que estava novamente preso, gritou-lhe:
—Bom lobo, vou ensinar-te o sitio onde ha uma excellente prêsa.
—E onde fica isso?—perguntou o lobo.
—N'esta e n'aquella casa; pouco trabalho tens: basta-te deslizar pelo exgotto da cosinha; ahi encontrarás bons boccados, como toucinho, chouriço á discreção; que mais queres? E olha que te não levo nada pelo conselho!
E assim o experto João-Pequenino lhe deu os signaes certos da casa do pae.{89}
O lobo não quiz ouvir mais, nem se fez rogado, nem se quer foi preciso dar-lhe o recado mais d'uma vez; metteu-se pela cosinha e comeu á tripa-fôrra. Quando, porêm, quiz sair, foi-lhe impossivel. Tirou o ventre de miserias, de tal maneira que não houve meio de passar pelo cano. João-Pequenino—que tudo previra começou a fazer um grande barulho no corpo do lobo, aos pulos e em altos gritos; o lobo pedia-lhe:
—Vê lá se estás quieto! Tu assim acordas meio mundo!
—Deixa-me cá... Tu comeste até que te regalaste; agora sou eu que me divirto a meu modo!—e continuou a gritar tanto quanto podia.
Acabou por accordar a familia, que veiu pressurosa olhar para a cosinha pelo buraco da fechadura. O pae e a mãe ao verem que estava alli um lobo, armaram-se: o pae{90} com um machado e a mulher com uma fouce.
—Fica para traz—aconselhou o marido á mulher quando entraram na cosinha, eu vou matal-o com o machado, mas se o não matar d'um só golpe, tu abres-lhe a barriga!
João-Pequenino—ao conhecer a voz do pae—pôz-se a gritar:
—Sou eu, meu pae, sou eu que estou na barriga do lobo!
—Graças!—exclamou o pae louco de contente.—Ora até que emfim que o nosso filho foi encontrado!...
E disse logo á mulher que puzesse de parte a fouce não fosse ferir o João-Pequenino. Em seguida com faca e tesoura abriu a barriga do lobo d'onde saltou lesto o nosso sympathico João-Pequenino.
—Não pódes calcular, filho,—exclamou o pae—os sustos que temos tido com a tua sorte!
—Acredito, pae... mas olhe, eu fartei-me de correr mundo; felizmente{91} que já vejo a luz do dia!
—onde tens tu estado?
—Ora, onde tenho estado! Estive n'uma toca de rato, na cavidade de uma arvore, no feno, na barriga de uma vacca, no estrume e por fim na barriga de um lobo! Agora estou com os meus queridos paes!
—E nós não te tornariamos a vender por dinheiro algum d'este mundo!—disseram os paes abraçando-o e apertando-o contra o coração.