—És modesto no pedir—retrucou o gnomo que, curvando-se, tirou do monte uma espingarda, e um bonito violino que se podia metter na algibeira. Aqui tens—continuou o gnomo ao dar-lh'os—e fica sciente de que serás servido sempre na primeira graça que solicitares.
O rapaz, jovialissimo, continuou a sua róta. Depois de caminhar um boccado deparou-se-lhe um judeu, muito feio, com barbas de chibo muito compridas e que estava absorto a ouvir o canto de uma avesinha.
—É extraordinario que um animal de tão pequeno talhe possua um trinado tão cheio. Quanto não daria eu para o ter engaiolado!
—Posso satisfazer o teu desejo—disse o rapaz que tinha ouvido as ultimas palavras, e apontando a espingarda ao passarinho este caiu atordoado em cima dos espinhos.
—Vá lá, seu maroto, vá lá buscar o passarinho.{22}
—Tractas-me com crueldade—respondeu o judeu—mas não deixo de agradecer-te e vou apanhar a avesinha.
Em seguida metteu-se pelos espinhos custando-lhe a abrir caminho. De subito o rapaz teve uma estupenda lembrança: principiou a dar arcadas no violino. Logo o judeu ergueu as pernas e começou a saltar, a pular, a torcer-se todo, ficando preso nos espinhos dos ramos, em que se achava e que lhe espicaçavam a cara, arrancando-lhe as barbas; ficou com o vestuario todo rasgado e a cara a escorrer sangue.
—Ai, ai!—lastimava-se o infeliz judeu—Socega, aquieta-te, não toques mais n'esse amaldiçoado instrumento; aqui não é logar proprio para baile!
O azougado moço não fazia caso do pedido pensando com os seus botões:
—Este rabino esfolou tanto infeliz{23} em quanto poude, que é justo que seja esfolado agora!
E de novo tomou o violino tirando accordes mais ligeiros. O pobre judeu, forçado a acompanhar o compasso, pulava e saltava; a cara cada vez estava mais ensanguentada, o fato desfazia-se em farrapos e o pobre velho gemia de dôr. A subitas gritava:
—Apieda-te de mim, pelas barbas de Abrahão, que em paga te darei uma bolsa cheia de dinheiro que trago commigo.
—Alegras-me tanto com essa boa-nova que vou guardar o dinheiro. Antes, porém, quero dar-te os meus parabens pela maneira graciosa e original por que danças! É uma perfeição!
O judeu então, entregando-lhe a bolsa que promettêra, suspirou immenso, emquanto que o alegre moço continuou a andar, cantando. Quando já o não avistou, o rabino,{24} não podendo conter o seu rancor, exclamou:
—Musico das duzias, estás a contas commigo. Grande marau! Has de pagar-me a partida mais cara do que ossos!
Tendo com essa fala dado vasão ao seu odio, seguiu por atalhos e alcançou a cidade mais proxima antes que o rapaz apparecesse. Uma vez lá, foi queixar-se ao juiz n'estes termos: